Para Beatriz não era só mais um recomeço, uma nova vida com novos amigos, era uma tortura, dor irreparável, desgosto irremediável. Não adiantava de nada se a consolassem sempre dizendo - esqueça esses teus amigos. Aqui tu farás outros. – mas quem disse que Beatriz queria novos amigos? Quem disse que queria uma casa nova, uma vida nova? Estava tão conformada com seu apartamento de cinco cômodos apertado e quente, com os malditos vizinhos escutando funk carioca o dia inteiro, era tão feliz. Teria que sair de seu colégio de ensino fundamental onde conhecera seus queridos amigos e sua inseparável amiga-irmã-e-confidente Carolina, mas poderia vê-la nos fins de semana, ir a praça, cinema, barzinho, teatro. Mas a arrancaram de lá. A arrancaram de Carolina, a quem deixou aos soluços, olhos marejados.
Não, não teria mais amigos, não queria mais amigos. E está decidido. Seu coração não aguentaria tamanha dor outra vez. E era sua última palavra.
Beatriz não se dera o trabalho de sequer reparar na paisagem. Vivera por muito tempo atormentando o pai para que se transferisse para o sul, queria conhecer o frio e a neve, mas quando aconteceu tudo o que conseguia sentir era desprezo pela minúscula cidade de Santiago sei-lá-do-quê. Do boqueirão? Que seja. - Não consigo nem pensar no significado disso – pensou exausta.
Estava no ônibus com seus pais Cristiana e Joel e com seu irmão do meio Eduardo e o caçula Mateus, rumo a Santiago do Boqueirão. Lá um amigo de seu pai, velho conhecido do quartel de outra cidade onde já haviam morado anos atrás quando ela ainda era criança e seu irmão caçula nem existia, uma repugnante ilha chamada Tefé, os esperava para conduzir-lhes a casa onde morariam temporariamente.
A noite estava próxima, quando chegaram foram bem recebidos pela família do amigo de seu pai. Comeram e logo dormiram já em sua nova casa.
X X X X
A vizinhança era calma, as crianças brincavam no meio da rua, era tudo tão pacato e tão diferente de Fortaleza. Os muros das casas eram todos baixos e você poderia até dormir de porta aberta que ninguém entraria para roubar sua casa. Nada de cercas elétricas e nem cachorros raivosos, apenas alguns vira-latas que comiam a droga do lixo todo santo dia. Todas as ruas eram limpas e tudo era muito perto dali. O centro da cidade ficava há uns quinze minutos a pé, tendo apenas que atravessar os trilhos para chegar lá, mas como era complicado passar
de carro, havia outra rua bonita cheia de ipês amarelos, mas a rua não era asfaltada era calçamento. Beatriz estranhou aquilo.
Voltando aos trilhos, de um lado via-se a antiga estação abandonada, do outro, bem, do outro se via mato e casas. Subindo direto não tinha erro, ia parar direto nos portões de sua nova escola, poderia pegar aquele caminho – o dos trilhos – todos os dias, contanto que não estivesse chovendo.
Seu primeiro dia de aula se aproximava, mal podia esperar para se relacionar com as patricinhas e seus cabelos falsos e rostos de boneca, e sim, estava realmente ironizando. Se sentiria completamente perdida naquele lugar, cheio de pessoas falando daquela maneira esquisita, homens de bombacha de um lado para o outro, por que não conseguia entender tudo aquilo? Quanto tempo mais seria necessário? Ela só sabia que precisava levantar e rápido, pois o dia de apresentação das turmas chegara e não queria chegar atrasada.
Havia chovido a noite inteira, e só conseguia ouvir a voz de seu pai martelando em sua cabeça – não vá pelos trilhos está tudo cheio de barro, vai pelo outro caminho. Você sabe qual rua pegar, quando você ver a rua da escola é só dobrar. – e eu por acaso sei onde raios é a droga da rua da escola? – pensou. Era uma manhã desagradável. Tudo cheirava a terra molhada e bosta de cavalo, mas já podia ver as outras crianças indo em seus carros –papai precisa comprar um carro – pensou.
Levantou-se tomou um copo de leite e foi para a porta de casa.
- Lembra do que seu pai disse, pega a outra rua. – lembrou sua mãe, Cristiana.
- Pode deixar mãe. Beijo. – respondeu Beatriz.
- Beijo. Boa sorte.
E então Beatriz saiu pela porta da frente, dobrou a esquina a esquerda e pegou a rua que tinha ipês amarelos. Estava com um ar tão mórbido, ninguém caminhava, carros não passavam, e havia folha caídas por toda a parte. Parecia que ali não vivia ninguém. Ela estava sozinha e não sabia para onde ir, ia passar direto por uma rua quando viu um garoto ao longe. E por ali decidiu subir.
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