quinta-feira, 7 de abril de 2011

Insônia I, à procura

Capítulo 1, Tudo novo, de novo



Para Beatriz não era só mais um recomeço, uma nova vida com novos amigos, era uma tortura, dor irreparável, desgosto irremediável. Não adiantava de nada se a consolassem sempre dizendo - esqueça esses teus amigos. Aqui tu farás outros. – mas quem disse que Beatriz queria novos amigos? Quem disse que queria uma casa nova, uma vida nova? Estava tão conformada com seu apartamento de cinco cômodos apertado e quente, com os malditos vizinhos escutando funk carioca o dia inteiro, era tão feliz. Teria que sair de seu colégio de ensino fundamental onde conhecera seus queridos amigos e sua inseparável amiga-irmã-e-confidente Carolina, mas poderia vê-la nos fins de semana, ir a praça, cinema, barzinho, teatro. Mas a arrancaram de lá. A arrancaram de Carolina, a quem deixou aos soluços, olhos marejados.

Não, não teria mais amigos, não queria mais amigos. E está decidido. Seu coração não aguentaria tamanha dor outra vez. E era sua última palavra.

Beatriz não se dera o trabalho de sequer reparar na paisagem. Vivera por muito tempo atormentando o pai para que se transferisse para o sul, queria conhecer o frio e a neve, mas quando aconteceu tudo o que conseguia sentir era desprezo pela minúscula cidade de Santiago sei-lá-

do-quê. Do boqueirão? Que seja. - Não consigo nem pensar no significado disso – pensou exausta.

Estava no ônibus com seus pais Cristiana e Joel e com seu irmão do meio Eduardo e o caçula Mateus, rumo a Santiago do Boqueirão. Lá um amigo de seu pai, velho conhecido do quartel de outra cidade onde já haviam morado anos atrás quando ela ainda era criança e seu irmão caçula nem existia, uma repugnante ilha chamada Tefé, os esperava para conduzir-lhes a casa onde morariam temporariamente.

A noite estava próxima, quando chegaram foram bem recebidos pela família do amigo de seu pai. Comeram e logo dormiram já em sua nova casa.

X X X X

A vizinhança era calma, as crianças brincavam no meio da rua, era tudo tão pacato e tão diferente de Fortaleza. Os muros das casas eram todos baixos e você poderia até dormir de porta aberta que ninguém entraria para roubar sua casa. Nada de cercas elétricas e nem cachorros raivosos, apenas alguns vira-latas que comiam a droga do lixo todo santo dia. Todas as ruas eram limpas e tudo era muito perto dali. O centro da cidade ficava há uns quinze minutos a pé, tendo apenas que atravessar os trilhos para chegar lá, mas como era complicado passar

de carro, havia outra rua bonita cheia de ipês amarelos, mas a rua não era asfaltada era calçamento. Beatriz estranhou aquilo.

Voltando aos trilhos, de um lado via-se a antiga estação abandonada, do outro, bem, do outro se via mato e casas. Subindo direto não tinha erro, ia parar direto nos portões de sua nova escola, poderia pegar aquele caminho – o dos trilhos – todos os dias, contanto que não estivesse chovendo.

Seu primeiro dia de aula se aproximava, mal podia esperar para se relacionar com as patricinhas e seus cabelos falsos e rostos de boneca, e sim, estava realmente ironizando. Se sentiria completamente perdida naquele lugar, cheio de pessoas falando daquela maneira esquisita, homens de bombacha de um lado para o outro, por que não conseguia entender tudo aquilo? Quanto tempo mais seria necessário? Ela só sabia que precisava levantar e rápido, pois o dia de apresentação das turmas chegara e não queria chegar atrasada.

Havia chovido a noite inteira, e só conseguia ouvir a voz de seu pai martelando em sua cabeça – não vá pelos trilhos está tudo cheio de barro, vai pelo outro caminho. Você sabe qual rua pegar, quando você ver a rua da escola é só dobrar. – e eu por acaso sei onde raios é a droga da rua da escola? – pensou. Era uma manhã desagradável. Tudo cheirava a terra molhada e bosta de cavalo, mas já podia ver as outras crianças indo em seus carros –papai precisa comprar um carro – pensou.

Levantou-se tomou um copo de leite e foi para a porta de casa.

- Lembra do que seu pai disse, pega a outra rua. – lembrou sua mãe, Cristiana.

- Pode deixar mãe. Beijo. – respondeu Beatriz.

- Beijo. Boa sorte.

E então Beatriz saiu pela porta da frente, dobrou a esquina a esquerda e pegou a rua que tinha ipês amarelos. Estava com um ar tão mórbido, ninguém caminhava, carros não passavam, e havia folha caídas por toda a parte. Parecia que ali não vivia ninguém. Ela estava sozinha e não sabia para onde ir, ia passar direto por uma rua quando viu um garoto ao longe. E por ali decidiu subir.

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